Avançar para o conteúdo
Início » Conteúdos » O Apagão da Fé Cristã na Europa

O Apagão da Fé Cristã na Europa

 

É conhecida a marcante frase em latim “Post Tenebras Lux – Depois das Trevas,
Luz”, proferida pelo famoso reformador João Calvino para referir-se à reforma
protestante a qual trouxe a luz do Evangelho para triunfar sobre as trevas que reinavam
há séculos na Europa e no mundo.

Como cristão, português e residente na Europa, dou testemunho “in loco” do que
tragicamente assistimos na Europa: “Post Lux Tenebras – Depois da luz, trevas.” Para
tal afirmação quero ter o cuidado de não ser guiado pela minha perceção pessoal, que é
subjetiva, mas de provar essa triste realidade com estudos recentes que comprovam o
apagão da fé cristã na Europa.

A Europa tem avançado a passos largos e de forma galopante em direção a uma
sociedade pós-cristã, e isso é claro na análise das mais recentes pesquisas disponíveis,
algumas das quais darei a conhecer neste artigo para ilustrar esta trágica realidade.
Se o futuro de um país, de uma sociedade e Igreja, está nas gerações mais novas,
é necessário e importante olhar para as pesquisas que as têm como objeto de estudo para
que tenhamos uma ideia clara do que é o presente e também do que será o futuro;
tragicamente tais pesquisas demonstram que a maioria dos jovens europeus não segue
religião alguma.

Um estudo promovido pelo Pew Research Center, dos EUA descobriu que a
República Checa é o país menos religioso na Europa, com 91% dos jovens de 16 a 29
anos dizendo não ter nenhuma filiação religiosa.

Não ignoremos o facto que este é um país tradicionalmente considerado cristão,
origem do famoso reformador e mártir Jan Hus, que morreu queimado vivo cantando
um hino e onde a sua estátua pode ser encontrada em Praga, mas também é o país onde
cada vez menos encontramos a fé cristã pela qual ele morreu. O mesmo estudo refere
que perto de 80% dos jovens adultos na Estônia, Suécia e nos Países Baixos também
se classificam como não religiosos. Outro dado que surpreende neste mesmo estudo
surge do Reino Unido, conhecido por ser tradicionalmente cristão mas onde atualmente
70% dos jovens que não se identificam com nenhuma religião. Chega a ser assustador
que o país de Charles Spurgeon, John Wesley, William Carey, Martin Lloyd-Jones e
tantos outros “heróis” da história da Igreja Protestante, seja agora uma sombra do vivido
e experimentado em séculos passados recentes – recordemos que Charles Spurgeon, o
príncipe dos pregadores chegou a ser mais famoso que um primeiro-ministro, e as suas
pregações todos os domingos enchiam as instalações da Igreja.
A conclusão do estudo foi categórica:

“A Europa ocidental, berço do
protestantismo e historicamente sede do catolicismo, tornou-se uma das regiões mais
seculares do mundo.”

Como português, nascido e criado na terra de Vasco da Gama e Luís de Camões,
quero dar a conhecer também a realidade deste pequeno país através de um dos mais
recentes estudos europeus divulgados no ano de 2018 com o tema “Os Jovens Adultos e
a Religião na Europa”. Este estudo conclui que 42% dos jovens portugueses não se
identificam com nenhuma religião; dentro desse grupo constatou-se o facto de que 35%
não assiste a nenhum serviço religioso.

Em Portugal e em toda a Europa, a realidade do afastamento das gerações mais
novas da religião não é coisa contemporânea, apenas tem sido acentuada com o passar
dos anos e de forma cada vez mais rápida. Nós, Europeus, não precisamos de
estatísticas para sermos conscientes do apagão da fé cristã na Europa, pois basta apenas,
de forma especifica, olhar para as últimas décadas as quais dão testemunho da forma
incrivelmente rápida como a Europa abraçou e defendeu temas como o aborto, o
casamento entre pessoas do mesmo sexo e aquilo que chamamos corretamente como
ideologia de género. De acordo com estudiosos, foi a adoção dos princípios cristãos que
elevou a Europa ao alto estado de civilização e à posição de destaque que ocupa, ainda
hoje, na sociedade contemporânea. Contudo, as pesquisas mostram que esse tempo está
no fim. Os valores fundadores da Europa, os valores judaico-cristãos são uma miragem
do passado e isto é consequência de uma nova cosmovisão, uma nova maneira de
pensar.

Vivemos tempos em que na Europa impera o pós-modernismo, há quem use pós-
modernismo, modernidade tardia ou era do vazio para descrever a época em que nos
encontramos dando azo a muita discussão e não havendo consenso entre sociólogos,
pelo que apenas adoto o termo considerado mais mediático.

O pensamento pós-moderno, é claramente marcado pelo secularismo, daí que as
nossas mentes e principalmente as das novas gerações estejam ou venham a estar
inundadas pelo mesmo.

Albert Mohler Jr., explica de forma simples e clara do que trata a secularização
da sociedade:

“Secular, em termos de conversação sociológica e intelectual contemporânea, refere-se
à ausência de qualquer vínculo em relação à crença ou à autoridade de Deus. É tanto
uma ideologia, conhecida como secularismo, como um resultado. A secularização, por
outro lado, não é uma ideologia; é um conceito e um processo sociológico pelo qual as
sociedades se tornam menos teístas à medida que se tornam mais modernas”.

Cada vez mais lidamos com europeus cada vez menos teístas – a possibilidade da
existência de Deus é um pensamento cada vez mais do passado, sem voz no presente,
pior ainda para as gerações mais novas (crianças, adolescentes ou jovens universitários).
A escola pública europeia é hoje um campo de guerra onde os jovens são bombardeados
com pensamentos anticristãos, com a ridicularização da crença na existência em Deus; é
no campus universitário que eles são confrontados com as mentes intelectualmente mais
brilhantes – seja por meio dos professores ou dos livros de estudo para os mais distintos
cursos – e é ali que a fé cristã é arrebatada ou silenciada. Pesquisas lançam luz sobre esta
triste realidade do mundo académico pós-moderno, com características que se supõem
transversais em todos os países ocidentais (os resultados apresentados abaixo são
provenientes dos Estados Unidos da América, mas não devem ser melhores na Europa):

  • Cerca de 25% dos professores universitários professam ser ateus ou
    agnósticos (enquanto que apenas 5-7% da população em geral é ateísta ou
    agnóstica);
  • Apenas 6% dos professores universitários disseram que a Bíblia é “a
    verdadeira Palavra de Deus”;
  • 51% descreveram a Bíblia como “um livro antigo de fábulas, lendas, história e preceitos morais”;
  • 75% acreditam que a religião não pertence a escolas públicas. *

A Igreja de Cristo na Europa, tem que ser consciente que a tragédia se deve, em muito, a
dois fatores condicionantes:

  • Por um lado, o facto de as pessoas, especialmente as gerações mais novas,
    estarem a serem moldadas por mentes aguçadas com os mais fortes
    argumentos do pensamento secular;
  • Por outro, a realidade das condições que enfrentamos que é drasticamente
    diferente daquela que os nossos pais enfrentaram.

Conhecer as principais características do pensamento pós-moderno é importante
para que a igreja possa impactar a comunidade à sua volta e, assim, possa preparar, da
melhor forma, os discípulos para fazer novos discípulos.
Eis algumas das principais características do pensamento pós-moderno que
tantas vítimas faz nos dias de hoje:
(i) Negação de todas as metanarrativas, inclusive a cristã. Enquanto a era
moderna se anunciava como uma libertação secular de uma autoridade cristã que
operava com alegações de revelação divina, a era pós-moderna foi proposta como uma
libertação das grandes autoridades seculares da razão e da racionalidade. Afirmava-se
que a era pós-moderna libertaria a humanidade operando com uma “incredulidade
oficial em relação a todas as metanarrativas”. Em outras palavras, a pós-modernidade
negou todas as grandes narrativas que, anteriormente, moldaram a cultura, pondo termo
à narrativa cristã. *
(ii) Secularismo – A alegação de que a humanidade só pode vir a si própria e
superar várias formas de injustiça pela libertação secular não é nova, mas agora é uma
corrente dominante. É tão comum para as culturas das sociedades ocidentais que não
precisa de ser anunciada – e muitas vezes nem é notada. *
(iii) Anti sobrenaturalismo – A modernidade trouxe muitos bens culturais, mas
também, como previsto, trouxe uma mudança radical na forma como os cidadãos das
sociedades ocidentais pensam, sentem, se relacionam e raciocinam. A libertação da
razão do Iluminismo à custa da revelação foi seguida por um anti sobrenaturalismo
radical que dificilmente pode ser superestimado. O filósofo canadense Charles Taylor
também mostra, de forma muito útil, que a história ocidental pode ser definida por três
épocas intelectuais: a impossibilidade pré-iluminista da incredulidade, a possibilidade
pós-iluminista de descrença e a impossibilidade moderna da crença. *1
(iv) Declínio do cristianismo – olhando para a Europa é muito claro que a era
moderna alienou toda uma civilização das suas raízes cristãs, juntamente com os
compromissos morais e intelectuais cristãos. Os sociólogos falam agora abertamente da
morte da Grã-Bretanha cristã e a evidência do declínio cristão é abundante. A Europa,
tradicionalmente composta na sua maioria por países cristãos como, Portugal, Espanha,
Itália, Reino Unido, Suíça, Holanda e República Tcheca, tornou-se hoje claramente um
campo missionário.

Em cerca de um século o eixo do cristianismo mudou. Se no início do século XX
aproximadamente 70% da população cristã mundial vivia na Europa, esse total caiu para
28% no final do mesmo século. Atualmente, a América Latina e a África juntas contam
hoje com cerca de 40% dos cristãos no mundo.

A saúde da fé Cristã na Europa

A fé cristã encontra-se em franco declínio em muitos dos países europeus, cada
vez mais secularizados. O secularismo tornou-se a cosmovisão dominante na Europa
central e no norte dos Estados Unidos; com isso, as novas palavras de ordem são o
relativismo, o politicamente correto, o multiculturalismo e o apregoamento da libertação
da religião.
Na Europa, a teologia de Agostinho exerceu grande influência sobre a Igreja por
quase 800 anos; depois a de Tomás de Aquino por cerca de 500 anos e a de João
Calvino por cerca de 300 anos. Mas, nos dias de hoje, a Igreja evangélica na Europa
além de enfrentar uma profunda indiferença e desprezo da fé cristã também enfrenta os
males que a própria Igreja Evangélica Brasileira enfrenta e que são os grandes
problemas das Igrejas: show, pragmatismo, minimalismo teológico e teologia da
prosperidade. Grupos religiosos como a IURD e a Igreja Maná são considerados uma
presença incómoda na sociedade europeia, mas o que trágica e lamentavelmente
assistimos na Igreja Evangélica na Europa é o iniciar de uma maneira de pensar e de
agir a partir da cultura e o encaixar de alguns textos bíblicos nos pressupostos culturais
que se defendem – o que os teólogos chamam de privilegiar a aplicação sobre a
explicação.

Como cristãos, devemos de estar profundamente preocupados que pensamentos
determinados pela cultura estejam a sobrepor-se ao Evangelho, o que traz como
consequência que as Escrituras estejam a ser de tal forma deturpadas que chegam ao
ponto de desvirtuarem e comprometerem o que a Palavra de Deus ensina sobre
sexualidade, raça, masculinidade, feminilidade e tantos outos conceitos.
A Igreja na Europa está a abandonar a Verdade, aqueles que se confessam
cristãos estão cada vez mais a afirmar que a Bíblia contem a Palavra de Deus em vez de
ser A Palavra de Deus, e há uma grande diferença nisso com resultados à vista: os
cristãos europeus estão a deixar de falar contra o aborto ou a abraçar a prática, estão a
defender a homossexualidade, a aceitar a eutanásia e a nomeação de pastoras na igrejas
locais e o evangelho passou para um segundo plano, ele que é o fundamento do
cristianismo.

Os maiores desafios para os cristãos na Europa

Conhecida esta triste realidade a Igreja de Cristo na Europa tem de continuar fiel
custe o que custar, e essa é a maior dificuldade, num lugar onde o secularismo, para
avançar, tem de devorar o cristianismo e é o secularismo que se manifesta em maior
número e força. Vive-se assim na Europa, uma cultura cada vez mais resistente à ideia
de Deus, onde os cristãos são considerados “bichos raros” porque são aqueles que não
vivem segundo as regras impostas pela sociedade pós-moderna e a perseguição
encoberta é cada vez mais uma realidade.

Um dos problemas principais reside naquilo em que o cristianismo se tem
tornado: um cristianismo tradicional, nominal, o qual é fabricado e fomentado nos
próprios púlpitos que, na busca por uma mensagem cristã relevante, têm tornado o
cristianismo irrelevante alterando a essência do Evangelho e consequentemente
alterando a única mensagem realmente relevante e poderosa que o cristianismo tem para
oferecer aos Homens.

A pregação das Escrituras, da Verdade e do Evangelho é vital para a saúde da
Igreja e para levar a Luz do mundo às densas trevas presentes na Europa, o maior
desafio para a Igreja de Cristo na Europa é continuar a confiar e a pregar fielmente o
Evangelho, na sua mais pura essência, sem alterar, retirar ou acrescentar, pois a única
coisa que realmente temos para oferecer de relevante é o Evangelho, sem isso, somos
como qualquer outro comum benfeitor, somos apenas mais uma de muitas religiões,
somos os mais infelizes de todos os Homens.

A Igreja de Cristo na Europa necessita de colocar o púlpito de volta ao centro e
lutar com todas as forças para ele ficar no centro, necessita de pregadores de coragem
que abram as Bíblias e preguem a Palavra de Deus e assim contribuir para uma
desistência do pragmatismo herdado e para um abandono da tentação de abraçar a
cultura em detrimento da verdade do Evangelho e da confiança no Seu poder, que é o
poder de Deus para transformar o maior pecador e fazer com que os joelhos de todos os
homens se dobrem diante de Jesus Cristo.

 

Referências:

* WARNER, James – Are young people really leaving christianity?, 2019, [acedido 20 dezembro 2019]
em <URL https://coldcasechristianity.com/writings/are-young-people-really-leaving-christianity/>.
*1 Informação baseada no artigo de MOHLER, Albert – Blog Voltemos ao Evangelho. O avanço do
secularismo, 2018

Breve apresentação:

Tiago Bugalho é pastor na Igreja Baptista da Ramada, em
Portugal. É professor no Seminário Baptista de Queluz,
Portugal e também presidente da AIBEM (Associação de
Igrejas Baptistas para o Evangelismo Mundial) e da APCB
(Associação Portuguesa de Conselheiros Bíblicos).
Possui licenciatura em estudos teológicos pelos Instituto
Bíblico Palavra da Vida na Argentina, Pós-graduação em
Teologia Sistemática pelo GDL (Grupo para o
Desenvolvimento da Liderança) e Mestrado pelo
Seminário Baptista de Queluz, Portugal.
Casado com Melisa Bugalho e pai do Paulo, da Laura e do Filipe.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *